Em 12 de setembro de 2018, o Secretário de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG), publicou a Instrução Normativa n. 02/2018, que estabeleceu procedimentos gerais quanto à jornada de trabalho dos servidores públicos federais.
O normativo conta com 40 (quarenta) artigos, dispostos em 7 (sete) capítulos, que regulamentam questões de grande relevância para a vida funcional dos servidores, entre as quais se destacam o controle de frequência, a compensação de horários, a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional, o banco de horas e o regime de sobreaviso.
Nos tópicos subsequentes, cada um desses temas será abordado separadamente. A análise se aterá às questões controvertidas da Instrução Normativa tida por uniformizadora, seja porque inovam no ordenamento jurídico, seja porque conflitam de algum modo com regulamentos anteriores, hierarquicamente superiores e/ou específicos.
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Decreto n. 9.035/2017, que estabelece diretrizes sobre a estrutura regimental do MPDG, prevê, no art. 24, as competências da Secretaria de Gestão de Pessoas do Órgão, entre as quais se destacam as seguintes:
Art. 24. À Secretaria de Gestão de Pessoas compete:
I – formular políticas e diretrizes para o aperfeiçoamento contínuo dos processos de gestão de pessoas no âmbito da administração pública federal, nos aspectos relativos a:
a) planejamento e dimensionamento da força de trabalho;
(…)
i) relações de trabalho no serviço público;
II – atuar como órgão central do Sipec e de seus subsistemas e promover a integração de suas unidades;
III – exercer a competência normativa e orientadora em matéria de pessoal civil no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional (grifos aditados)
Em atenção a essa competência normativa e orientadora, o Secretário de Gestão de Pessoas do MPDG editou a IN n. 02/2018 que, nos termos de seu art. 1º, “tem por objetivo orientar, uniformizar e estabelecer critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec relativos à jornada de trabalho, ao controle da compatibilidade de horários na acumulação remunerada de cargos, empregos e funções, à instituição do banco de horas e ao sobreaviso aplicáveis aos servidores públicos em exercício nos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”.
A par de alguns órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional já terem regulamentado internamente muitos dos institutos trazidos pela IN n. 02/2018, esse normativo foi editado com o escopo de uniformizar os procedimentos individualmente adotados.
Assim, preliminarmente, é preciso esclarecer que, independentemente das regulamentações anteriores e mais específicas, a IN n. 02/2018 tem aplicação ampla e imediata a todos os órgãos e entidades do serviço público federal.
Justamente por isso, a abordagem acerca da legalidade/constitucionalidade da IN n. 02/2018 é extremamente complexa, já que, além do cotejo de seus dispositivos com a Constituição da República (CR), com a Lei n. 8.112/90 e com os Decretos n. 1.590/1995 e n. 1.867/1996, é necessário fazer, ainda, o confronto do novo regulamento com os normativos internos de cada um dos órgãos/entidades (portarias, memorandos-circulares, etc).
De início, é preciso esclarecer que os atos normativos secundários, como decretos regulamentares, instruções normativas e resoluções, não podem validamente inovar na ordem jurídica, pois estão subordinados às leis. Em razão disso, não se estabelece confronto direto entre eles e a Constituição. Não assim, porém, os atos normativos que,
[…] ostentando embora o nome ou a roupagem formal de ato secundário, na verdade pretendem inovar autonomamente na ordem jurídica, atuando com força de lei. Neste caso, poderão ser objeto de controle abstrato, notadamente para aferir violação ao princípio da reserva legal.[1]
Como a IN 02/2018, a pretexto de regulamentar a jornada de trabalho dos servidores, inovou no ordenamento jurídico e, em determinados assuntos, impôs sérios ônus aos servidores públicos, o controle de sua legalidade/constitucionalidade por meio de medida judicial é plenamente factível.
Portanto, se a Instrução Normativa sob análise contrariar a Constituição, a Lei n. 8.112/90 ou qualquer outro normativo hierarquicamente superior e estabelecer comandos gerais, autônomos e abstratos, a questão poderá ser judicializada.
II – DA REGULAMENTAÇÃO DOS INSTITUTOS
II.a – Do controle de frequência
A IN n. 02/2018 estabelece, nos arts. 7º e seguintes, que é obrigatório o controle eletrônico de frequência de todos os servidores públicos federais, como já previa o Decreto n. 1.867/1996[2].
No ponto, vale o registro de que o sistema eletrônico foi paulatinamente implementado dentro dos órgãos e entidades, cada um com suas peculiaridades, a exemplo da possibilidade de substituição dessa forma de controle pela folha de ponto em casos excepcionais e da abertura de eventuais flexibilizações pelas chefias imediatas.
No que se refere ao controle de jornada, a IN n. 02/2018 inovou ao suprimir uma das exceções previstas nos Decretos n. 1.590/1995 e n. 1.867/1996 quanto à obrigatoriedade do registro eletrônico de frequência. Esses Decretos previam o seguinte:
Decreto n. 1.590/1995
Art. 6º (…)
§ 4º Os servidores, cujas atividades sejam executadas fora da sede do órgão ou entidade em que tenha exercício e em condições materiais que impeçam o registro diário de ponto, preencherão boletim semanal em que se comprove a respectiva assiduidade e efetiva prestação de serviço.
§ 5º O desempenho das atividades afetas aos servidores de que trata o parágrafo anterior será controlado pelas respectivas chefias imediatas.Decreto n. 1.867/1996
Art. 3º Ficam dispensados do controle de ponto os servidores referidos no § 4º do art. 6º do Decreto nº 1.590, de 1995, que terão o seu desempenho avaliado pelas chefias imediatas.
Como essas regras excepcionadoras não foram previstas da IN n. 02/2018, os servidores cujas atividades sejam executadas fora da sede do órgão/entidade ou em condições materiais que impeçam o registro diário de ponto deverão se submeter ao controle eletrônico de frequência.
Como os decretos são hierarquicamente superiores às instruções normativas, é fácil perceber que a IN n. 02/2018, a pretexto de minudenciar o controle de frequência dos servidores, usurpou do poder regulamentar e contrariou os Decretos n. 1.590/1995 e n. 1.867/1996, ao quais se subordina.
Vale destacar, por fim, que a IN n. 02/2018 reitera, no art. 8º, §2º[3], a possibilidade de dispensa do ponto eletrônico dos servidores participantes dos “programas de gestão” a que o art. 6º, §6º, do Decreto n. 1.590/1995 faz alusão:
Art. 6º (…)
§ 6º Em situações especiais em que os resultados possam ser efetivamente mensuráveis, o Ministro de Estado poderá autorizar a unidade administrativa a realizar programa de gestão, cujo teor e acompanhamento trimestral deverão ser publicado no Diário Oficial da União, ficando os servidores envolvidos dispensados do controle de assiduidade.
Assim, desde que o Ministro de Estado autorize o órgão/entidade a realizar programas de gestão, em que os resultados possam ser efetivamente aferidos, os servidores ficarão dispensados do ponto eletrônico.
II.b – Da compensação de horário
No capítulo III, a IN n. 02/2018 disciplina as hipóteses de desconto da remuneração proporcional dos servidores públicos (art. 10), estabelece diretrizes para a compensação das horas relativas às saídas antecipadas e aos atrasos (art. 12), veda a compensação das faltas injustificadas (art. 11) e dispensa a compensação das horas expendidas em consultas médicas do próprio servidor, de seus dependentes ou familiares (art.13).
Em boa parte dos casos, confere-se autonomia à chefia imediata para autorizar a compensação das horas, em juízo discricionário de conveniência e de oportunidade.
No ponto, é importante destacar que, embora o direito à compensação das horas aparente estar mitigado, pois condicionado aos interesses da chefia imediata, são raríssimas as hipóteses em que o Poder Judiciário, em controle repressivo de legalidade/constitucionalidade, se imiscui na esfera administrativa para alterar regulamentos que dizem respeito à sua conveniência/oportunidade.
Os órgãos/entidades que já regulamentaram a compensação das horas internamente permanecem com essas mesmas “limitações”, decorrentes da necessária observância do juízo discricionário das chefias.
Nesse capítulo, outros 2 (dois) aspectos chamam a atenção: i) limitação de compensação de horário a 2 (duas) horas diárias na jornada de trabalho; e ii) dispensa da compensação das horas gastas em procedimentos clínicos até a utilização de 44 (quarenta e quatro) horas por ano, para servidores submetidos à jornada de 8 (oito) horas diárias.
No que se refere ao primeiro aspecto, a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece, no art. 59, §2º[4], que, para fins de compensação de jornada, não poderá ser ultrapassado o limite de 10 (dez) horas diárias.
Como se percebe, além de a previsão da IN n. 02/2018 estar alinhada à legislação regulamentadora da jornada dos trabalhadores celetistas, trata-se de mais um critério inserido no âmbito de discricionariedade da Administração Pública, que não ressoa eventual desproporcionalidade.
Quanto ao limite de utilização de 44 (quarenta e quatro) horas anuais para o comparecimento a consultas médicas, odontológicas e para a realização de exames, também não se vislumbra, a priori, ilegalidade/inconstitucionalidade a ser combatida.
Descontado o período de férias anual, chega-se à média de 1 hora/semana para as saídas com esse fito. A limitação das horas foi apenas um critério escolhido pela Administração para evitar a ampla e irrestrita saída dos servidores, até mesmo porque, nesses casos, há expressa dispensa para a compensação de jornada.
Ou seja, há uma sutil diferença entre obstar a saída dos servidores para comparecimento a consultas e limitar o tempo máximo de horas em que essas saídas não terão de ser compensadas. Nada impede que, ultrapassado o tempo máximo, o servidor compense as horas excedentes.
De todo modo, eventual lesão ao direito social fundamental à saúde deverá ser analisada no caso concreto. É possível que servidores acometidos de doenças crônicas, que necessitem se ausentar do local de trabalho com certa regularidade, sintam-se lesados pela limitação imposta, o que poderá dar ensejo a eventual demanda judicial, caso as tratativas com as chefias imediatas sejam infrutíferas.
II.c – Da jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional
No capítulo IV, a IN n. 02/2018 prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor para 6 (seis) ou 4 (quatro) horas diárias e 30 (trinta) ou 20 (vinte) horas semanais, com redução proporcional de remuneração. O interesse do servidor nessa nova jornada será submetido ao juízo de oportunidade e conveniência da autoridade máxima do órgão ou da autoridade que receba essa função por delegação (art. 20, caput e §3º).
Como se sabe, o direito à redução da jornada de trabalho com remuneração proporcional já havia sido previsto pela Medida Provisória (MP) n. 792/2017, que, por não ter sido convertida em Lei, caducou em 28.11.2017, após 120 (cento e vinte) dias de vigência.
Uma das diferenças entre a MP n. 792/2017 e a IN n. 02/2018 diz respeito ao fato de que a Medida Provisória garantiu direito de preferência na concessão de jornada reduzida aos servidores que possuíssem filhos de até 6 (seis) anos de idade ou fossem responsáveis pela assistência e cuidado de pessoa idosa, doente ou com deficiência. Essa particularidade não constou da IN n. 02/2018.
A Instrução Normativa prevê, tão somente, que a jornada de trabalho reduzida poderá ser revertida em integral a qualquer tempo, a pedido do servidor ou de ofício[5]. Nesse caso, deverão apenas ser observados: i) a conclusão do semestre letivo para o servidor estudante e o servidor com filho de até 6 (seis) anos de idade; e ii) o prazo de 30 (trinta) dias para o servidor responsável pela assistência e pelos cuidados de pessoa idosa, doente ou com deficiência.
Também não há, na IN n. 02/2018, qualquer tipo de incentivo para a redução da jornada proporcional, como feito anteriormente pela MP n. 792/2017 ao estabelecer o pagamento de adicional de meia hora diária, calculada conforme ato do Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Finalmente, vale realçar que a IN n. 02/2018 veda a redução da jornada para os servidores de determinadas Carreiras, assim como para aqueles sujeitos à duração de trabalho prevista em leis especiais e ocupantes de cargo efetivo submetido à dedicação exclusiva. Vale conferir:
Art. 20. (…)
§ 1º Não poderão requerer a redução de jornada os servidores integrantes das seguintes carreiras e cargos:
I – Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União;
II – Procurador Autárquico, Advogado e Assistente Jurídico dos órgãos de execução ou vinculados à Advocacia-Geral da União;
III – Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal, Papiloscopista, Policial Federal e Policial Rodoviário Federal;
IV – Auditor-Fiscal da Receita Federal, Auditor-Fiscal da Previdência Social e Auditor-Fiscal do Trabalho.
§ 2º Além do disposto no § 1º é vedada a concessão de jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional ao servidor:
I – sujeito à duração de trabalho prevista em leis especiais; ou
II – ocupante de cargo efetivo submetido à dedicação exclusiva. (grifos aditados)
Essas mesmas vedações já constavam expressamente na Medida Provisória (MP) n. 2.174-28/2001[6], que pela primeira vez regulamentou a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional.
Com base na MP n. 2.174-28/2001, a Secretaria de Gestão Pública do então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) elaborou, no ano de 2015, Nota Técnica (NOTA TÉCNICA Nº 40/2015/CGNOR/DENOP/SEGEP/MP) para tratar sobre a possibilidade de redução de jornada pelos servidores com dedicação exclusiva e chegou às seguintes conclusões:
Pelo exposto, com sustentação na análise técnica acima delineada, entende esta Secretaria de Gestão Pública pela possibilidade de redução de jornada, com redução proporcional de remuneração, lastreada na MP nº 2174, de 2001, aos servidores submetidos à dedicação exclusiva, inclusive os que recebem por subsídio, à exceção, considerando os limites jurídicos e da hermenêutica: (i) daqueles cuja dedicação exclusiva seja um regime de trabalho optativo e ensejador de acréscimo remuneratório, portanto especial e autônomo e assim não atingível pela MP nº 2.174, de 2001; (ii) dos ocupantes dos cargos taxativamente arrolados no §1º do art. 5º da MP 2174, de 2001, para os quais somente alteração legislativa pode permitir a redução em apreço; e (iii) daqueles submetidos a jornadas dispostas em leis especiais, que, via de regra, já são menores que 40 h semanais.
Tendo e vista que i) a IN n. 02/2018 apenas repisou as vedações constantes na MP n. 792/2017; e ii) o então MPOG, por meio da referida Nota Técnica, flexibilizou a vedação da jornada reduzida para os servidores submetidos à dedicação exclusiva, é possível que essa orientação permaneça incólume.
II.d – Do banco de horas
Uma das inovações da IN n. 02/2018 foi a criação do banco de horas, ferramenta de gestão que já havia sido implementada por alguns órgãos/entidades da Administração Pública, em juízo de conveniência/oportunidade.
Uma vez instituído, o banco de horas permitirá o cômputo das horas excedentes como crédito (realizadas além da jornada regular do servidor) e as não trabalhadas como débito, contabilizadas no sistema eletrônico de frequência (art. 23).
Assim como na iniciativa privada, as horas excedentes à jornada, computadas no banco de horas, não serão remuneradas como horas-extras, justamente para não subverter a lógica do instituto (art. 24, I, da IN n. 02/2018).
Isso porque a ideia do banco de horas, tido como um grande avanço na relação dos servidores com o Estado, é garantir maior flexibilidade na jornada de trabalho, a fim de que o servidor possa estruturar sua rotina na forma que melhor lhe aprouver.
O mesmo raciocínio se aplica quando a IN n. 02/2018 determina que as horas excedentes à jornada sejam prestadas mediante “prévia e expressa autorização da chefia imediata” (art. 24), com vistas a impedir que o interesse particular se sobreponha ao interesse público.
De todo modo, assim como mencionado no tópico relativo à compensação das horas, nada obsta que eventuais ingerências das chefias imediatas possam ser analisadas caso a caso e, constatada a ilegalidade na negativa de utilização do banco de horas, sejam adotadas as medidas administrativas e judiciais cabíveis.
Finalmente, vale conferir as vedações à utilização do banco de horas, previstas no art. 28 da referida Instrução Normativa:
Art. 28. Salvo nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, devidamente justificados pela autoridade competente, a utilização do banco de horas não deverá ser concedida:
I – ao servidor que tenha horário especial, nos termos do art. 98 da Lei nº 8.112, de 1990;
II – ao servidor que cumpra jornada de trabalho de 6 (seis) horas diárias e de 30 (trinta) horas semanais, nos termos do art. 3º do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995;
III – ao servidor que acumule cargos, cuja soma da jornada regular e a do banco de horas ultrapasse o total de 60 (sessenta) horas semanais; e
IV – ao servidor ocupante de cargo de técnico de radiologia.
Parágrafo único. O banco de horas não será permitido ao servidor que faça jus à percepção do Adicional por Plantão Hospitalar, de que trata o art. 298 da Lei nº 11.907, de 2 de fevereiro de 2009, referente à mesma hora de trabalho. (grifos aditados)
No ponto, vale o esclarecimento de que a vedação constante no inciso II do art. 28 é direcionada aos servidores que cumprem jornada de 6 (seis) horas diárias em razão do disposto no art. 3º do Decreto n. 1.590/1995[7], e não àqueles que optam por exercer jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional.
Essas são, em síntese, as considerações mais relevantes sobre o novo instituto.
II.e – Do sobreaviso
Outro ponto de inovação da IN n. 02/2018 refere-se à regulamentação do regime sobreaviso, até então não uniformizado na Administração Pública.
A ausência de normatização gerava crescente desgaste nos órgãos/entidades, uma vez que o efetivo de servidores nas unidades de lotação, por vezes, está muito aquém do necessário. Constantemente submetidos ao regime de sobreaviso, os servidores têm de suportar elevada carga de trabalho.
Embora a omissão da Administração tenha sido suprida, a IN n. 02/2018 estabeleceu que “somente as horas efetivamente trabalhadas em decorrência do regime de sobreaviso poderão ser compensadas” (art. 30, §1º), em contrariedade ao que determinara recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão n. 784/2016.
Nesse acórdão, a Corte de Contas apreciou consulta formulada pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito “da legalidade de implantação de regime de sobreaviso a servidores regidos pela Lei n. 8.112/90, com contraprestação pecuniária”.
Por ocasião do julgamento, o TCU concluiu o seguinte:
VOTO REVISOR
9. Até mesmo em respeito aos princípios da supremacia do interesse público, da continuidade do serviço público e da eficiência administrativa, o emprego do sistema de sobreaviso pode ser admitido na administração pública, ainda que, supostamente, não houvesse disposição legal específica nesse sentido. (…)
18. Vê-se, pois, que, respeitados os limites diários, mínimo e máximo, de 6 e de 8 horas, respectivamente, além da duração máxima semanal de 40 horas, cada órgão autônomo, a exemplo do TST, pode fixar – por ato próprio – a jornada de trabalho de seus servidores, não mais dependendo de lei formal para isso, e que, assim, ele pode estabelecer o aludido regime de sobreaviso, pela redução da jornada com a consequente compensação de horários; salientando, nesse ponto, que, como pode definir a jornada de trabalho em regime presencial, o TST também pode defini-la em regime de sobreaviso, até porque, se ele pode mais, pode menos.
VOTO COMPLEMENTAR
5. Com relação à possibilidade de instituição do regime de sobreaviso por órgão ou entidade pública mediante registro em banco de horas para fins de futura compensação de horários, não tenho qualquer reparo a fazer acerca das conclusões do Revisor, com as quais estou de pleno acordo. (…)
8. Neste ponto, acrescento apenas, para fins de registro em banco de horas, que não se pode computar uma hora de sobreaviso como uma hora trabalhada. Considerando a inexistência de lei expressa instituindo tal regime de trabalho, bem como a autonomia administrativa dos órgãos e entidades federais para a fixação do cumprimento da jornada de trabalho de seus servidores, observados os limites estabelecidos pelo art. 19 da Lei 8.112/1990, penso ser adequada a utilização da proporção estabelecida no art. 244, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como limite máximo do tempo da hora trabalhada a que corresponde a hora de sobreaviso. (…)
25. Por fim, saliento que, apesar de o objeto da consulta se referir ao estabelecimento do regime de sobreaviso a servidores públicos da área de TI, a resposta ao consulente não deve se restringir aos servidores pertencentes a tal área de atuação. Pelo contrário, ante os fundamentos expostos no presente voto, e acolhendo sugestão do eminente Ministro Raimundo Carreiro, proponho a meus pares que o entendimento aqui firmado alcance todas as carreiras que integram o serviço público federal.(TCU, Plenário, Acórdão n. 784/2016, Proc n. 001.728/2015-6, Relator Ministro VITAL DO RÊGO, 06.04.2016, grifos aditados).
Como se vê, o TCU já havia consolidado o entendimento de que os órgãos/entidades da Administração Pública poderiam fixar, por ato próprio, a jornada de trabalho de seus servidores e “estabelecer o aludido regime de sobreaviso, pela redução da jornada com a consequente compensação de horários”, à proporção de um terço (1/3) das horas de trabalho em situação comum (3h de trabalho em sobreaviso correspondem a 1h de trabalho em regime padrão).
E foi isso o que, efetivamente, ocorreu em diversos órgãos/entidades, que regulamentaram internamente o instituto de acordo com as orientações do TCU. Afinal, o servidor que trabalha em sobreaviso está efetivamente em serviço, em situação específica de prontidão, ou seja, está à disposição para o emprego direto de sua força-trabalho a qualquer momento.
A vedação à compensação das horas em que o servidor permanece em regime de sobreaviso mas não é acionado, constante na IN n. 02/2018, configura situação de manifesto locupletamento indevido da Administração Pública e violadora do art. 4º da Lei n. 8.112/1990 (“é proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei”), como bem consignado pelo TCU:
no caso de impossibilidade de se promover a referida compensação de horários, o servidor deveria perceber a devida compensação indenizatória pelo sobreaviso, não só em respeito ao princípio do não enriquecimento sem causa, mas também em obediência ao art. 4º da Lei n. 8.112, de 1990.
Como se percebe, há diversos elementos jurídicos aptos a embasar a ilegalidade/inconstitucionalidade do art. 30, §1º, da IN n. 02/2018, que possui aplicação imediata para os órgãos/entidades que ainda não haviam regulamentado a questão.
Para aqueles que o fizeram anteriormente por meio de atos normativos de mesma hierarquia, é possível construir a tese de que o diploma mais específico prevalece sobre o mais genérico. Contudo, como registrado anteriormente, dificilmente essa será a postura adotada espontaneamente pela Administração.
II.f – Da necessidade de compensação das horas não trabalhadas em decorrência de participação de atividades sindicais
Finalmente, merece relevo a inovação da IN n. 02/2018 quanto à obrigatoriedade de compensação das horas não trabalhadas em razão da participação, pelo servidor, de atividades sindicais.
Ao assim dispor, a Instrução Normativa acaba por violar o direito constitucional à liberdade de associação, já que, de algum modo, impõe gravame indevido àqueles que desejam se reunir com esse fito.
Portanto, sem maiores delongas, é possível argumentar que o dispositivo viola flagrantemente o art. 37, VI (“é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”) e o art. 5º, XVII (“é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”), ambos da Constituição da República.
III – CONCLUSÃO
Como se percebe, a IN n. 02/2018 inovou na regulamentação de diversos institutos e alterou regulamentos internos de órgãos/entidades que, ante a omissão da Administração Pública, disciplinaram internamente questões essenciais da jornada de trabalho dos servidores.
Nos pontos em que a IN n. 02/2018 extrapolou sua função meramente regulamentar e desrespeitou dispositivos legais e constitucionais hierarquicamente superiores, em prejuízo aos servidores públicos federais, entende-se plenamente viável o controle repressivo de legalidade/constitucionalidade.
[7] Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
[6]Art. 3º Poderão aderir ao PDV os servidores da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive dos extintos Territórios, ocupantes de cargo de provimento efetivo, exceto das carreiras ou dos cargos de:
I – Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União;
II – Procurador Autárquico, Advogado e Assistente Jurídico dos órgãos de execução ou vinculados à Advocacia-Geral da União;
III – Defensor Público da União;
IV – Diplomata;
V – Delegado de Polícia Federal, Perito Criminal Federal, Escrivão de Polícia Federal, Agente de Polícia Federal, Papiloscopista, Policial Federal e Policial Rodoviário Federal; e
VI – Auditor-Fiscal da Receita Federal, Auditor-Fiscal da Previdência Social e Auditor-Fiscal do Trabalho.
Art. 5º É facultado ao servidor da administração pública direta, autárquica e fundacional, ocupante exclusivamente de cargo de provimento efetivo, requerer a redução da jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta semanais para seis ou quatro horas diárias e trinta ou vinte horas semanais, respectivamente, com remuneração proporcional, calculada sobre a totalidade da remuneração.
§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras ou dos cargos de que tratam os incisos I a III e V e VI do caput do art. 3º.
Art. 6º Além do disposto no § 1º do art. 5º, é vedada a concessão de jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional ao servidor:
I – sujeito à duração de trabalho estabelecida em leis especiais; ou
II – ocupante de cargo efetivo submetido à dedicação exclusiva.
[5] Essa mesma previsão já constava na MP n. 792/2017: “Art. 8º. § 3º A jornada de trabalho reduzida poderá ser revertida, a qualquer tempo, de ofício ou a pedido do servidor, de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade da administração pública federal.”
[4] Art. 59 (…)
§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
[3] Art. 8º (…)
§ 2º. Ficam também dispensados do controle eletrônico de frequência os servidores participantes do programa de gestão de que trata o §6º do art. 6º do Decreto n. 1.590, de 10 de agosto de 1195.
[2] Art. 1° O registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional será realizado mediante controle eletrônico de ponto.
[1]BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28.